tobor e o amanhecer antecipado em seu dia.

vida simples, pensamento elevado.

domingo, maio 29

Na distância curta do tempo


Você no seu mundo de flores de plástico. Eu aqui, numa lua sua, esperando o desembarque da sua nave rubro-negra. Para de escutar música e tenta ouvir meu coração. A atmosfera amplia.

Recebi uma carta ontem. Manchada de três gotas de vinho tinto seco. Era um Merlot caríssimo. Já comprei desse e ela sabe. A letra, tremida, trazia lágrimas em versos. Não poéticos, mas o lado oposto das coisas. Tentava me mostrar como ver uma borboleta na lagarta. Ou ainda a clareza das coisas obscuras. Tantas coisas. Eram versos do vice-versa da vida. E vice-versa. Me falavam para arrumar minha mala e esperar o próximo pôr-do-sol. Seria a hora de ir. Em seis meses, no mesmo lugar, com o sentimento mil vezes multiplicado, voltariamos a nos ver. Isso iria me arrancar duas mil e cinco lágrimas. Todas contadas no casaco da Adidas, impermeável. Era uma carta que me pedia para fechar os olhos e continuar minha vida de olhos bem fechados, apenas sentindo as coisas com o tato. Me pedia para esperar o "tá quente, tá frio, tá quente..." que ela mesmo faria quando fosse a hora. Sempre amei essa brincadeira com os ovos de chocolate. E ao fundo, com certeza teriam, além de pessoas conversando, uma música que não pode ser tocada por ninguém mais além do meu e do coração dela. É sem ritmo. Na carta me falava coisas que amei, outras que preferia não saber e algumas que me tranquilizaram quanto ao fim de tudo isso. Ao fim da minha vida. Agora devo ir, o pôr-do-sol já começou. Não posso me atrasar nessa viagem, pois vai ser o retorno mais delicioso do mundo. Welcome back, Mr. and Mrs. Lazy.

segunda-feira, maio 23

Quase na Aurora, ela me beija


E aí me aparece um Sol que nunca tinha visto. Muito mais belo que aqueles indianos que desenham a minha colcha.

Quando um sol se põe, ele começa com um beijo grande no horizonte, que simplesmente não resiste e permite a sua invasão. O sol, magicamente, vai se tornando mais tímido, se avermelhando, começando a ter forma. Aquilo é magia. E não tem mágico. Apenas os olhos. Quando o sol já está quase se indo, ele nos presenteia com uns raios alaranjados, jorrados entre nuvens, completando um azul incrível. Aquela cena é única. E como todas as coisas únicas, nosso maior desejo é tê-la para nós. Mas o sol se vai para no outro dia voltar mais amarelo (quase um branco). Um branco de paz, um creme de sorvete, um bege de baunilha, um amarelo de sorriso amarelo. Como o meu. Que fica imenso diante de um sol desses. Aí aí, esses dias de chuva me matam.

quarta-feira, maio 18

Cata Um, Cada Dois


Sei que você me olha de cantinho de olho, mas é como olho de furacão.

Das tempestades da minha cachola, sobraram umas três pequenas árvores de jabuticaba, peroba e juá. Miudas. Também uma pequena casinha com movéis estranhos e umas paredes coloridas. Acabei achando uns três livros do Andersen numa sala de leitura escura. Sem contar com uma pequena vila de amigos e uma fábrica de cerveja. Ufa! Pelo menos isso. Mas a tempestade também me levou os planos (meus vintes anos, diria o Chico) e até a tinta da minha caneta. Uns pensamentos positivos, quatro rolos de filme e cinco carteiras de cigarro. Matou meu cachorro e ainda me arrancou a máquina de pinball preferida do bar. Tenho três fichinhas aqui no meu bolso. Ah! Maldita tempestade. As roupas do varal, todas voaram. Minha regata, meu tênis azul e até uma blusa do Che Guevara autografada pela Coca-Cola. Raríssima. O grande problema, é que quando a tempestade veio, eu num tava nessa terra. Eu fui lá nos céus dos demônios, procurar paz em outros olhos, beber alguns ácidos e acabei por me encontrar perdido por lá. Me achei, me amarrei e resolvi voltar. Pobre de mim, que encontrei minha terra sem um fio de linearidade. Todas as cores invertidas, as palavras embaralhadas e vários sons de moscas cegas, que não vêm em que merda pisam. Agora que vejo o horizonte se formar, começo a erguer uma casinha simples no alto de um morro verde, com três girassóis na frente e quase mil nuvens com formatos diversos (feito biscoito sortidos) flutuando no meu altar. Só preciso de um varal.

segunda-feira, maio 16

Dos cabos santos que me trouxeram de volta


Quase um amparo, mais que um ser de aço, é um imenso abraço.

Teve um dia que resolveu brincar com as sombras. Queria entrar nelas, virar a anti-luz. Cada curva do lençol, criava uma sombrinha pequena, e era lá que ela ficava, encolhida, linda demais. Seus olhinhos redondos, uns lábios de carne farta, um nariz de bons ares. Aquilo ali é sobrehumano.

domingo, maio 1

Soledade não quer meus vasos


Como satisfazer uma mulher e um homem. Pra mim, só falta pintar a parede de vermelho ali.

Soledade

Soledade era a preguiça em pessoa. Morava nos fios de baba do travesseiro. Nas remelas dos olhos. Em boa parte das sujeiras nos banheiros. Conseguia acompanhar cada passo da digestão de uma mosca. Desde a ingestão ao regorgitamento. A paciência era apenas ressaltada pela sua preguiça de viver. Até a vida desistiu dela.

Um dia conheceu Carlitos. Um assaltante latino. De tanta preguiça de reagir aquela cena toda, foi levada como o próprio objeto de furto. Era o vaso mais valioso de Carlitos, o que nenhuma flor poderia ocupar. Viveu durante anos naquele ambiente, mais decorando do que se utilizando daquele ambiente. Até que Carlitos caiu na tentação. Acabou por levar um outro vaso, esse até mais moderno, com outro comportamento. Não durou dois dias. O vaso foi encontrado aberto, a machadadas. As mãos de Soledade sangravam. Carlitos viu o amor pela primeira vez e nunca mais esqueceu aquele rosto. Seus olhos caídos, sua boca entreaberta e um corpo de cinquenta e seis quilos dividido ao meio na sala.

Carlitos morreu três anos depois de um assaltado mal calculado. Os dias de vaso acabaram para Soledade, que acabou trabalhando num velho cabaré da cidade, cujo nome trazia as iniciais de Eleanor Rigby. "All the lonely people, where do they all come from?" De vasos.