tobor e o amanhecer antecipado em seu dia.

vida simples, pensamento elevado.

quinta-feira, abril 27

Diante dos Lábios, Ensaio sobre o Orgasmo

Feito ao som de Raul Garcia Zarate, orgástico.

Capítulo Zero Zero

Wilhelm Reich, em 1920, recebeu um paciente de Freud, um jovem estudante. Ele sofria de uma compulsão de ruminar e de contar; de fantasias anais compulsivas, masturbação habitual, dores no corpo, indisposição e náuseas. Depois de vários meses de tratamento, a compulsão de ruminar se transformara uma compulsão por associar. O caso parecia perdido. Depois de algum tempo, subitamente, surgiu uma fantasia incestuosa e pela primeira vez o paciente se masturbou com satisfação. Todos os sintomas desapareceram imediatamente. Mas depois de oito dias foram voltando pouco a pouco. E então ele se masturbou novamente. E os sintomas desapareceram novamente, apenas pra voltar dias depois. Depois de mais alguns meses, o tratamento foi finalizado. O paciente estava capacitado para trabalhar e o seu estado era significativamente melhor. Depois de seis anos, Reich soube que ele casara e continuou são.


Capítulo Zero Um

Em um quarto escuro, a luz do sol penetra a penumbra pelas finas linhas das persianas pretas. Nos pequenos fios de luz que se prolongam pelas curvas cegas no escuro, um lençol modela um dos corpos na cama, o outro permanece nu ao lado do coberto. Os cabelos das duas meninas se esticam suavemente para fora da cama. Algumas peças de roupa espalhadas. Uma delas brinca com um isqueiro próximo do rosto, acendendo por um curto espaço de tempo e apagando com um sopro logo em seguida. A outra apenas observa com o polegar entre os lábios. Elas parecem exaustas. Depois de algum tempo, logo após um assopro, Julieta, a de dedo na boca, fala:
- Você vai se queimar.
Ana ri discretamente. Julieta continua.
- Quer que eu cuide de você?
- Queria ser você.
- Como é?
- Queria ser você.
- Porque?
- Você não sente o que sinto.
- O que sente?
- Você.
Julieta fecha os olhos envergonhada e fala:
- Até que ponto vamos chegar?

Julieta caminha na rua. Está frio. As ruas molhadas revelam uma noite de chuva. As pequenas ruas da cidade, ainda de pedra sabão com uma negritude assustadora, ficam mais escorregadias nessa época. E com poucos passos, Julieta tropeça numa pedra e não se equilibra o suficiente pra não cair no chão. Tudo escurece. E ela pensa em várias cenas de sua infância. Lembra do dia que seu cachorro foi morto por um vizinho, do dia que seu pai descobriu a traição da sua mãe com um sobrinho, do dia em que seu tio lhe alisou por entre as pernas, sorrindo com um olho meio fechadinho. Finalmente, ela acordou. Estava nos braços de Yuri, um policial do posto 13, com um cavanhaque revolucionário e olhos cálidos. Ela, completamente desconcertada e perdida, falou:
- O que aconteceu?
- Você foi roubada.
- Como?
- Te derrubaram. Eram dois negros.
- Não, não havia ninguém.
- Foi o que aconteceu.
Julieta começa olhar sua bolsa.
- Já tou melhor, licença.
- Quer que eu te acompanhe?
Julieta ri discretamente como se zombasse da pergunta.
- Não precisa. Estou bem.

Julieta chega a um café. Ela aparenta está nervosa Ana está sentada numa mesa.
- Acabaram de me assaltar.
- Roubaram o quê?
- Um pente.
- Um pente?
- É. Um pente.
- O que queriam com seu pente?
As duas riem. Julieta se solta um pouco mas ainda fica agoniada.
- Senta, toma um café comigo.
- Num sei.
- O que foi?
- Ta bom. Deixa te contar.
Ana vira pra garçonete, uma senhora simples, sempre com sorriso na cara, que responde com um sorriso (sempre).
- Trás outro.
- Eu tava descendo a Lourival Pereira e acabei caindo. Tenho certeza que cai, não fui empurrada. E então eu vejo várias cenas da minha vida. Coisas que me mudaram bastante. Mas enfim, então eu acordo e descubro que estou nos braços do Yuri, aquele policial esquisito, e ele me fala que fui roubada. Verifico minha bolsa e vejo que roubaram meu pente. Mas o que iriam querer com um pente vermelho? E o pior, parece que as coisas andam muito estranhas. Mas num sei. O Yuri disse que fui derrubada e dois caras negros me roubaram. Mas até lembro que pedra exata eu chutei e caí. Isso não ta...
- Calma, Ju. Fica calma.
- Ai num sei.
- O quê?
- Ana, meu tio me penteava com esse pente vermelho.

Capítulo Zero Dois

Ana caminha pelas ruas da cidade. Ela passa pela Lourival Pereira observando detalhes das pedras, observa as pessoas negras com um certo olhar preconceituoso e mantêm uma postura séria. Em seus pensamentos, algumas boas palavras flutuavam perdidas:
- Há um certo tempo venho me questionando quanto ao que sinto e o que ainda posso sentir. Li um artigo de uma feminista Belga sobre a questão do prazer das lésbicas. Não considero essa babaquice de divisão sexual. Não me encaixo em espaços vazios, sou mutável. E afinal, meu corpo muda, meus pensamentos mudam, meus gostos mudam. Não questiono o que sinto por Julieta. Ela é sim meu grande amor. Mas o que ainda posso fazer por ela. Toda a nossa aventura sexual se limita ao convencional ato de provocar o orgasmo habitual de diferentes formas e roteiros. É uma grande matemática de movimentos, reações. Li um outro artigo de um sexólogo chamado Liens Barden, um suíço belíssimo, que dizia sobre a Ordem dos Caracóis. A seita se conserva até hoje em pequenas reuniões no leste europeu e não possui nenhuma intenção em se expandir. A Ordem desenvolveu, em meados de 1400, uma divina técnica de expansão de espírito. Algo, particularmente interessante, mas fútil. Não existia comprovações de nenhuma alteração no comportamento nem na saúde dos seguidores. Só que existe um grande porém nessa história. Naquela época, o ato sexual era altamente repreendido e toda a filosofia do Ato Caracol era mal entendida por líderes retrógrados. E então, um indiano chamado Brahmin Pravareda, desenvolveu uma técnica de aplicação do Ato Caracol através de pequenas técnicas do Kama Sutra. Só que isso não é popular. Pelo contrário, a Ordem não permite divulgação dos rituais. Eu e Julieta sabemos disso há três anos, quando fomos no Nepal inspiradas por Kerouac. E nós aprendemos o ato. Felizmente.

Capítulo Zero Três

Julieta e Ana estão deitadas na cama. Elas começam a se despir lentamente. Parece que todo o universo corre em câmera lenta. As peças de roupa que são jogadas, parecem flutuar por mais tempo e algumas chegam a percorrerem uma curva pelo quarto. Seus dedos percorrem curvas, linhas, rugas, ondulações e todo e qualquer detalhe dos seus corpos. Elas finalmente ficam em posições opostas e começam a se masturbar. Lambem com uma veracidade delicada, uma vontade de não conter mais a delicadeza. Se tocam ainda mais. Percorrem o ânus, os grandes lábios, todas as carnes das coxas e voltam pras nádegas. Parece um nado sincronizado. Cheio de sons, de gemidos, de pequenos suspiros. Ana começa a colocar seus dedos dentro da buceta de Julieta. Nesse momento, Ju desiste de suas ações e se entrega a apenas sentir. Seus dedos se curvam, sua língua percorre ainda mais seus lábios, sua outra mão vai do seio à boca. Ana coloca mais alguns dedos da outra mão. Sua intenção é de entrar ali como se fosse em uma piscina. Sua boca percorre cada pequeno detalhe da buceta de Julieta. E sua mão vai entrando e seu corpo vai se curvando, cada vez mais. Julieta começa a chorar delicadamente, como se não agüentasse nenhum movimento a mais. Ela estoura em gemidos de um orgasmo meio apressado. De repente, apenas os pés de Ana são vistos entrando na buceta de Julieta. É o êxtase. Julieta entra num estado quase catatônico. Seus dedos endurecem, seus olhos paralisam num ponto no teto. O movimento delicado do seu corpo pra um lado e pra outro fazem um pequeno barulho nas molas da cama velha. Ela começa a se enrolar com o edredom. Suas pernas vão se encaixando e se movimentando. Ela parece querer aquecer seu corpo inteiro. Começa a sentir frio e a ter mais um orgasmo, que a aquecem. Ela geme por alguns segundos e novamente, outro orgasmo. Seu corpo se estica como quisesse se expandir pra todos os lados possíveis. Depois se encolhe toda. Ela parece perder o fôlego de vez em quando. Fala algumas palavras, suspira pequenas rimas, mas toda a sutileza está nos olhos, que parecem querer ver além das paredes, da matéria, da alma. Seu suor passa próximo dos olhos que depois mostra ser os olhos de Ana. Ana sorrir.

Capítulo Zero Quatro

Julieta acorda na privada. Ela não tem certeza de quanto tempo dormiu. Mas sabe que foi involuntário. A revista na sua frente, amassada pela forma que sua cabeça caiu sobre as pernas, revela algumas fotos de um anúncio de shampoo. Ana está encostada na porta assistindo a cena. Julieta percebe sua presença e sorrir:
- Eu babei?
- Um pouco, só.
Julieta sorrir envergonhada.
- Que idiotice.
- Você já acabou?
- De dormir? Sim.
Ana sorrir. Julieta se levanta e sai do banheiro. Ana se senta no vaso.
- Hoje vou no mercado. Quer que eu compre alguma coisa?
- Tou precisando de carinho.
Ana sorrir envergonhada e fala:
- Eu conversei com o Yuri ontem.
- E?
- Ele me falou que encontrou os dois negros.
- Foi?
- Disse que não achou o pente e perguntou de você.
- Preciso de carinho, Ana. Não de pentes.
- Ainda bem.

Julieta entra numa galeria de artes. A galeria com um pé direito extremamente alto, comporta uma instalação de quase doze metros de altura. Uma grande estrutura metálica dividida em várias pernas articuladas que são conduzidas por esferas penduradas em contraponto com ímãs circulares ao redor das paredes. O movimento circular das articulações nos dá a impressão de um grande tornado cibernético que conduz uma pequena brisa leve e cria um clima agradável à galeria. A obra de Oscar Klaus, um austríaco órfão e meio narcisista, completa uma coleção de quase vinte estruturas espalhadas pelas salas da galeria Vernâncio, com o tema "Nimbus Eternæ". A preciosidade das peças e sua pequena semelhança com os traços de H.R. Giger, cria um paradoxo com a suavidade da brisa no rosto. Julieta passa perplexa pela estrutura. Ela vai em direção ao balcão principal.
- Boa tarde. Eu sou Julieta Montenegro.
- Sim. Sala 3.
Julieta caminha por uns corredores brancos onde poucas portas permitem um destino incerto. Várias portas estão com as placas arrancadas. Mas o número 3 está pendurado por um parafuso ainda, como se esperasse apenas por essa visita. Julieta entra na sala. Um senhor velho, cheio de rugas, com um ar meio depreciativo, recebe ela com apenas um rosnado baixo. Ele não olha pra ela em nenhum momento.
- Boa tarde. Sou Julieta Montenegro.
- Você já soube dos problemas com a última menina?
- Não.
- Não influencie as visitas. Não descreva os quadros. Não leia as esculturas. Não comente sobre técnicas. Fale apenas o trivial. Você estuda?
- Humrum.
- Não esqueça as escolas, perceba o movimento, faça grupos pequenos, não use decotes, não dê cantadas, não reclame de nada, não pisque demais. Você ta me entendendo?
- Sim.
O velho puxa um envelope e dá a Julieta.
- Seu adiantamento. Compre lenços pro cabelo.
- Não posso usar solto?
Ele olha pra ela com um olhar sério, como se aquela pergunta entrasse em conflito com todas as suas dúvidas, como se aquela pergunta fosse o auge de uma grande revolução, o hino da esquerda. De súbito, como um vômito, saem essas palavras:
- Compre um pente também.

Capítulo Zero Cinco

Ana procura o telefone pela casa. Ela olha por debaixo do sofá, da cama, pelo chão, mas nada.
- Todo o destino da minha vida depende de uma ligação. Enquanto não houver esse contato, eu não posso me dedicar ao que eu quero da forma como eu quero. E tudo que me liga a essa exata alma é um telefone. É apenas com ele que eu posso me ligar a essa criatura, confessar todo meu segredo e revelar minha vida. Mas um telefone desses não seria fácil mesmo de se encontrar. Se antes fosse para pedir a água que acabou ou ainda ligar para comentar o fraco desempenho da esquerda no governo atual com sua amiga de relações políticas, você encontraria em meio segundo. Mas não. Preciso achar, então num acho.
Nesse momento ela abre o armário do banheiro e encontra um pote com algumas pílulas.
- Isso serve.
Ana abre o pote e toma alguns comprimidos. Bebe da água da torneira. Nesse momento, ela pára estática com a mão na água e os olhos arregalados para a cesta de rouba. Ela vai em direção a cesta e afasta ela para trás.
- Acho que achei.
Ela puxa algo de trás da cesta que depois revela ser um pente vermelho.

Capítulo Zero Seis

Julieta chega em casa e Ana está nua no chão da sala. Já que o apartamento não possui quase nenhum móvel, o espaço se torna bastante grande entre Ana e as paredes. Ana sorrir para Julieta, que vai chegando mais próximo e se despindo. Ana fica de bruços.
- Quero que tu me complete.
Julieta começa a beijar os dedos de Ana. Percorre sua batata vagarosamente até a coxa. Lambe toda a linha da bunda e passa para as costas. Ana arranha o chão. Julieta se deita com a barriga pra cima e põe a cabeça entre as penas de Ana, que empina levemente a bunda. Julieta começa a lamber cada lábio extremamente molhado da buceta de Ana. Ela coloca seu dedo e logo depois a mão. Nesse momento, seus pés se fincam no chão e ela levanta um arco com as costas. Nesse momento Ana começa a falar ofegantemente.
- Nunca desista de mim, nunca desista.
Julieta começa a colocar sua cara dentro dos lábios da buceta de Ana. Logo sem seguida sua cabeça penetra completamente. Ana empina a cabeça e não agüenta, perde completamente o fôlego. Julieta entra por completo dentro de Ana, que estatelada no chão, contempla a sombra em movimento de um pássaro que pousa na varanda. Ela se curva toda e começa a gemer alto. Suas mãos percorrem a barriga, na altura do útero. Sobem até os seios e acabam dentro da sua boca. Ela brinca com seus cabelos que se enrolam nos dedos finos de pianista. Um relógio atrás dela denuncia a hora: 13h40.

15h30. Julieta está sorrindo ao lado de Ana, que perplexa, deixa seus braços pra cima brincando com a gravidade. Julieta pergunta:
- Você sente o frio?
- Não.
- Porque será que eu sinto?
- Você faz o Entrelaço direito?
- Humrum.
- Mas você já percebeu que é bem discreto o movimento?
- Você faz com os braços?
- Faço.
- Você já tentou a Estremila?
- Não.
- Eu faço sempre em você.
- Eu vou tentar em você.
- Não. Pera.
- Relaxa.
Ana fica em cima de Julieta. O passarinho na varanda sai voando. Ele pousa em outra varanda. Uma menina está atrás do vidro da porta observando o pássaro. Sua mãe lhe chama para dentro.
- Vem almoçar, menina.
A menina fica parada na porta de vidro. Com as mãos ao lado os olhos, ela fita o pássaro como se fitasse sua liberdade. Seu padrasto se aproxima. Ele fica de cócoras atrás dela e coloca a mão entra as pernas dela.
- Venha com seu papai.
- Você não é meu pai.
- Agora eu sou.
Ela prende um choro. Abaixa a cabeça e se vira para ir para sala. O pássaro sai da varanda e sobrevoa a cidade. Ele dá um rasante pelo parque. Para no meio de uma grande área de grama. Atrás de uma lixeira, um cachorro lambe um pote de macarrão instantâneo caído no chão. Um menino se aproxima e joga um pacote no lixo. Ele pára, olha para o cachorro, olha para os dois lados e chuta o cachorro contra o ferro do lixeiro. O cachorro já cansado, apenas chora fraco. Ele movimenta sua cabeça para os quatro cantos como se procurasse uma ajuda ou até mesmo o culpado por aqui, já que a criança saiu correndo. Ele geme de dor próximo ao lixeiro. O pássaro volta para a varanda de Julieta. Ela, deitada como se tivesse sido baleada, dorme num sono tranqüilo. Seus olhos vão abrindo de leve.
- O que ta acontecendo?
Logo em seguida é acometida por uma dor quase que insuportável no útero. Se curva toda por causa da dor e solta um grito de desespero. Ela olha ao redor mas não vê Ana. Grita:
- Ana. Ta ai?
Se levanta ainda um pouco tonta e começa a procurar pela amiga nos quartos. Ela corre pro banheiro e senta na privada. Em seus pensamentos:
- Onde será que Ana ta? Que menina doida. Eu às vezes sinto que num conseguiria viver sem ela, mas esses conflitos internos dela são completamente chatos. Essa coisa de não assumir suas posições, o óbvio formato da nossa relação, esse amor incondicional por uma pessoa idiota como eu. Mas eu preciso da presença dela. Preciso do amor dela.

Julieta vai até a galeria Vernâncio, põe sua roupa de guia, crachá, amarra o cabelo e vai receber seus primeiros visitantes. Enquanto desenrola um roteiro decorado sobre as obras expostas, ela pensa por onde anda Ana que não deu sinal por dois dias. Os pais de Ana já ligaram para ela, mas nenhum sinal. Enquanto fala sobre a cópia de Wahrol na parede, Julieta começa a se sentir estranha. Em alguns segundos, ela começa a revirar os olhos e cai no chão gemendo. Não resiste, tem um orgasmo diante de todo mundo, ainda arranhando um pouco o carpete vermelho da galeria. As pessoas, completamente assustadas, se dividem entre críticos e apoiadores.

Julieta entra em casa completamente preocupada. Ela percorre os quatro cantos da casa, como se procurasse alguma resposta para aquilo. Na verdade, a presença de Ana na casa resolveria tudo. Mas ela não estava lá. E Julieta sabia bem onde ela estava, mas não podia fazer nada.

Capítulo Zero Sete

Seis meses depois, com todo um passado de velórios, enterros, choros e mais choros por alguém que ainda não sei foi, a família de Ana parou de acreditar que ela ainda pudesse estar viva. Julieta já não se preocupava mais com sua aparência. Esquecera de cortar as unhas, os cabelos e inclusive os orgasmos. Não conseguia mais viver. Em todo canto que ia era acometida por um orgasmo inesperado. Uma vez caio nos braços de um ladrão que tinha apontado uma arma para ela. Ele, desconcertado, acabou largando ela no chão e saiu correndo. Em entrevistas de trabalho, ligações no telefone público, sentada no metrô, no mercado escolhendo os tomates, em casa acordando assustada. Sua vida se tornou um inferno, de certa forma, prazeroso. Tentou por muitas vezes colocar seus dedos dentro da sua buceta para tentar puxar algo que houvesse ali dentro. Tentava se falar com Ana pelo pensamento, gritando desesperadamente, baixinho suspirando na cama. Sempre falava do desespero que era sua vida depois do desaparecimento dela, com as mãos próximas do umbigo.
- Você acredita que perguntaram se eu estava grávida? Queria que você tivesse aqui. Eu às vezes acho que você faz de sacanagem. No meio da entrevista foi terrível. Você precisa escolher melhor a hora. Não consigo mais viver, Ana. Não consigo mais conviver com as pessoas. Não posso viver só. Quero voltar a desejar, quero voltar a amar alguém. Se você não existe mais nesse mundo, mas sim dentro de mim, dê um sinal. Que não seja um orgasmo! Não agüento mais. Você ta me fazendo mal dentro e fora de mim. Eu encontrei o pente que você deixou no armário do banheiro. Não precisava comprar. Parece que você desistiu de mim, Ana minha. E eu vou desistir de você.

Julieta sobe as escadas de um prédio velho. A cada passo que ela dá, percebe da certeza de sua escolha. Percebe a finalidade de vários de seus problemas, percebe a importância da continuidade da vida. Mas não ali, não agora. Ela sai pela porta do teto. Um horizonte revela umas longes montanhas que fazem um cerco natural das principais praias da região. Julieta contempla o horizonte como se desejasse planar até lá. Ela observa toda a área do prédio. Vai até uma das quinas, olha lá pra baixo. Sobe no parapeito. Ergue os braços.
- Wilhelm Reich uma vez atendeu um garçom que não conseguia ficar excitado. Depois de alguns meses, ele descobriu que quando o garçom tinha dois anos de idade, sua mãe estava tendo um filho no quarto ao lado do dele. Ele viu todo o processo da operação. A impressão de uma grande cavidade sangrenta entre as pernas da mãe permaneceu firme na sua cabeça até os dias de seu tratamento. Ele analisou o garçom como um cara que não conseguia se excitar por essas razões. Mas cometeu um erro. E o Reich percebeu isso. Não convencido que tinha curado o paciente, passou a perceber como o paciente tinha aceitado toda aquela história assim como aceitou todo o processo do tratamento, sem reclamar de nada, sem emitir um juízo crítico. E foi ai que Reich encontrou a ligação extrema entre a formação presente de um caráter humano e a frieza emocional e morte genital.
Nesse momento, Julieta se joga do prédio. Vai caindo pela frente de cada apartamento. Ela observa o chão se aproximar. Bem próxima do chão, ela pára no ar. Tudo ao seu redor está parado. Ela, paralisada pelo momento próximo da morte, apenas tem um pensamento em sua cabela:
- E afinal? Para que tudo isso? Como que isso acaba assim? Você não vê que é só o dia? Que é só o momento? São tantas perguntas nessa hora. Mas poucas certezas. É um grande passo para a humanidade. E diante de mim existe a finalidade dos meus problemas. Dentro de mim está o meu problema. E aqui, pensando sobre isso tudo percebo como fui idiota. Como pensei tantas coisas erradas. Como percebi as coisas completamente diferentes. Não existe alguém em mim. Não existe o êxtase total. Agora percebo qual é o êxtase total. Não existe outra sensação como essa. O ponto onde eu estava e para onde estou indo são quase treze andares. Meu número da sorte. "Você vai morrer" tem treze letras. "Num estou nem aí" também. O que me importa é o fim das coisas. Não me importo com o começo, nem o meio, só o fim. Se acaba bem, se acaba mal... enfim, se acaba já é uma grande coisa. Pois as coisas precisam ter fim. Sempre têm. E aqui é o meu. O nosso fim.
Um telefone começa a tocar.
- E nunca, nunca desista de mim.



Capítulo Zero Oito

Ana está deitada numa banheira que transborda pelo banheiro. Ela acorda completamente atordoada. O telefone continua tocando. Ana levanta a cabeça devagar. Parece pesar mais que seu corpo. Ela respira fundo. Se levanta tonta atrás do telefone. Começa a procurar por todo canto da casa. Procura por debaixo do sofá, da cama, do armário do banheiro, no qual não existe um pente vermelho. Ela começa a sentir um frio e suas mãos ficam mais duras. Ela tropeça e levanta rápido. Continua a procurar o telefone e mais alguém que estaria no ambiente. Mas nada. Finalmente, acha o telefone na cozinha. Quando atende é acometida por um grande orgasmo que faz ela cair no chão gemendo. Seus olhos se abrem como se espantasse por aquela queda.
- Alô?
Seus olhos reviram.

quarta-feira, abril 12

Nada sei do que sei, só sei que o que eu sei é o que eu sei. E basta.



Adoro comer.

Comer, comer, comer. Compre-me Baton, Compre-me Baton. Como-me vinhos, chocolates, livros, vinis, notas musicais, leminskis, lomografias, e retratos, e bugalhos, e adoro alho, não te disse? Bebo-me comendo-me. E como-te as coxas, os dedos, os lábios, os lábios, os lábios, os anseios, os ciúmes, as raivas, os cabelos, os teceios, as unhas, os pés, as vulvas, as bundas, as costas, os olhos em molhos. E continuo o meu banquete, com licença. Venero e consumo e coopero e perduro e completo e maduro e tempero e matuto e preparo. Passa o molho de sorriso, aquele diet de lágrimas, me vê cinco quilos de saliva e duas porções básicas de libido. Olha a banana! Olha a banana! Come-te-ei-vos todos a mim.

"Você trás a coca-cola, eu tomo
Você bota à mesa, eu como, eu como, eu como, eu como... você."