Na distância curta do tempo
Você no seu mundo de flores de plástico. Eu aqui, numa lua sua, esperando o desembarque da sua nave rubro-negra. Para de escutar música e tenta ouvir meu coração. A atmosfera amplia.
Recebi uma carta ontem. Manchada de três gotas de vinho tinto seco. Era um Merlot caríssimo. Já comprei desse e ela sabe. A letra, tremida, trazia lágrimas em versos. Não poéticos, mas o lado oposto das coisas. Tentava me mostrar como ver uma borboleta na lagarta. Ou ainda a clareza das coisas obscuras. Tantas coisas. Eram versos do vice-versa da vida. E vice-versa. Me falavam para arrumar minha mala e esperar o próximo pôr-do-sol. Seria a hora de ir. Em seis meses, no mesmo lugar, com o sentimento mil vezes multiplicado, voltariamos a nos ver. Isso iria me arrancar duas mil e cinco lágrimas. Todas contadas no casaco da Adidas, impermeável. Era uma carta que me pedia para fechar os olhos e continuar minha vida de olhos bem fechados, apenas sentindo as coisas com o tato. Me pedia para esperar o "tá quente, tá frio, tá quente..." que ela mesmo faria quando fosse a hora. Sempre amei essa brincadeira com os ovos de chocolate. E ao fundo, com certeza teriam, além de pessoas conversando, uma música que não pode ser tocada por ninguém mais além do meu e do coração dela. É sem ritmo. Na carta me falava coisas que amei, outras que preferia não saber e algumas que me tranquilizaram quanto ao fim de tudo isso. Ao fim da minha vida. Agora devo ir, o pôr-do-sol já começou. Não posso me atrasar nessa viagem, pois vai ser o retorno mais delicioso do mundo. Welcome back, Mr. and Mrs. Lazy.