tobor e o amanhecer antecipado em seu dia.

vida simples, pensamento elevado.

domingo, outubro 29

Radicalismo

Quase tudo que me acontece é inversamente proporcional a sua necessidade. De um simples tropeço ao mais agravante de todos os tombos. Da mais terrível alergia ao mais singelo dos espirros. Sou a contradição em pessoa. Desculpe, permita me apresentar. Sou Charles e sou filho de duas pessoas do mesmo sexo. Não os considero meus pais, nem mesmo parentes. Eles não me aceitam e eu num aceito eles. Por isso nasci órfão e meus filhos, se um dia eu os tiver, serão órfãos também. Porque? Porque é uma delícia! Tipo torta de morango. Mas deixe-me continuar. Tenho 39 anos de idade e desses, 15 passei atrás de um piano num bar da rua Quinze de Agosto. Nem imagino o que aconteceu nesse dia para ganhar nome de rua, mas enfim era lá. Neinn Bar. Neinn era o alemão que mandava em mim e mais quatro garçonetes, um cozinheiro filho da puta e um caixa que lhe roubava trinta dólares todos os dias para comprar ópio. Eu adorava isso. Tocava todos as noites e para todo tipo de gente. Mas comigo não tem essa não, toco o que quero. Quem quiser ouvir, que ouça. Neinn era contra meu radicalismo, mas artistas têm disso. Das segundas às quintas eu tocava a mesma listinha de canções do século passado mixadas com um pouco do Thelonius Monk. Adoro blues. Aliás, amo Monk. Um dia toquei Ray Charles e levei uma ovada. Dizem que só se toca Ray Charles bem de olhos fechados. Sou radical, toco piscando os olhos intensamente. Mas que inferno.

Sou Charles e moro aqui. Você acha engraçado eu ter um gato que não sai da caixa de areia, mas eu não acho. Eu tenho um peixe que não nada, pois ele também é radical. Leio romances que me façam chorar. Gosto da Justine. Me refiro ao livro, claro. Pois a Justine que trabalha no Neinn é mais feia que o cu do meu gato cheio de areia. Ai ai, como sou engraçado. Estou apaixonado. Pois é. Um dia tinha que acontecer. Ela se chama Graça, mas eu chamo ela de Gracinha. Ela é uma gracinha, óbvio. Mora cinco quarteirões da minha casa, 753 passos da minha porta. 751 se eu não tropessar na escadinha. Ela gosta de café amargo e eu também. Isso, pra mim que sou radical, se chama amor. E eu estou apaixonado. Vamos nos casar no dia quinze de agosto. Ela ainda num sabe, é supresa. Escolhi a data porque deve ser um dia importante e também porque só falta sete dias pro dia quinze de agosto. Comprei um bolinho lindo de chocolate e vou lá na casa dela propor uma macarronada. Ela adora macarronada. Conheci ela na macarronada do Arnaldo. Arnaldo é gay. Eu não. Eu, rá, eu sou radical!

Prazer, Charles.

quarta-feira, outubro 11

Era quarta, mas era Andrea

Era domingo. Domingo-feira. Nos ouvidos uma paz transmitida pelas excitantes notinhas de uma banda cubana com o mestre das vozes cantando: Ay, pero estabamo' comentando, por qu ha abandonado a Andrea. E me pergunto, afinal, porque abandonei Andrea. Aquela minha Andrea de vestido lindo, saias rendadas, olhos de amendôas. Estavamos comentando porque abandonastes Andrea, querido. Era numa praça que há muito tempo não passa ninguém, apenas minhas vagas lembranças dos sorrisos dela. Como era lindo sorrir daquele jeito. Era tudo tão natural e afinal Andrea se fue. Pero non, pero non. Yo se fue. Talvez com o receio do que poderia acontecer com a mágica em nossos olhos, talvez por não existir mais a música nos sorrisos. Mas nunca vou me esquecer, de nada, pois mais que abandonar Andrea, me abandonei lá, naquela cama linda, meu sorriso lindo e tantas lembranças futuras. Afinal, yo se fue.

domingo, outubro 8

Destemido passado, interminável futuro

Tudo bem. Vamos voltar a escrever aqui. Mesmo que já há tanto tempo abandonado, não possua mais leitores (assíduos ou não). Mas vamos escrever pra ver se ponho muito do que tenho aqui em minha lingua natal. Preciso mesmo é falar.

O dia é 7 de outubro de 2006. Charlottetown, Prince Edward Island, Canadá, América do Norte, Terra. Incríveis 17 graus. Sinto falta do calor, das risadas entre cervejas, da maconha barata e natural, das meninas lindas e sorridentes, das aventuras, das grandes aventuras, das cachorras, do meu irmão, da minha mãe, dos meus lp's, de havaianas, de churrasco, feijoada, arroz, bife a milanesa, saladas na casa de mamacita, da macarronada na casa do meu pai, meu pai, meus irmãos, minha irmã, thiago, rafael, carol, som alto, gente sorrindo quando eu chego, abraço, muitos abraços, beijos, sexo, muito sexo, free, hollywood, ônibus atrasado, gente curiosa, receptiva, comer no manjericão, sinto falta de rúcula, tapioca, cuzcuz, pastel e caldo de cana, banho de ducha, praia, praia, praia e surfe, sambão, goiaba, caju, jambo, de muitas pessoas em especial. Sinto falta, porque saudade a gente sente quando num pode ter mais.

Nessa terra de cá li dois livros. In the Road e Sidarta. Conheci muita coisa nova: Manjerom, dragonfruit, chocolate quente de menta no Timothy' s, sanduíches deliciosos no Subway, pimp é cafetão, fancy smancy é "que fofo", joint é o beque, Coronita substitui Skol, ando jogando sinuca como nunca, batucando nas percussões com meu amigo Francisco, descobri o que é frio o que ainda pode ficar ainda mais frio (-35), descobri o que é sentir falta do melhor amigo, da família e as vezes tremer até o cu quando percebe que num tem ninguém ao seu lado, descobri como é chato querer falar 30 quilos e só sair 10 gramas porque você não tem como dizer em outra lingua, descobri como é chato conhecer pessoas frias, bestas, ignorantes e ortodoxas. Conheci gente boa, babaca, racista, doida, tímida, esquisita. Exatamente como em qualquer lugar do mundo (eu acho). Mas nunca percebi como as pessoas do Brasil, da Paraíba, da minhas redondezas, dos terreiros que frenquentava, eram tão mais interessantes que tanta gente por aqui. Sinto falta do calor, mas muito mais que isso, falta do calor humano.

E isso é o que tenho pra falar. Era o que eu tava pensando no banho, que por aqui é extremamente delicioso. E agora vou pra casa, que aqui é Thanksgiving day e todos os seres estão em casa assistindo TV e comendo peru. Que coisa, hein?