Os Óculos do Drummond
Estátua de Drummond é alvo de vândalos pela sétima vez
SOLANGE SPIGLIATTI - Agencia Estado
SÃO PAULO - A estátua do poeta Carlos Drummond de Andrade, que fica na Praia de Copacabana, zona sul do Rio, foi alvo de vandalismo pela sétima vez. Na madrugada de quinta-feira, a haste direita dos óculos foi furtada. Dessa vez, o aro direito dos óculos foi arrancado e a estátua amanheceu incompleta. No entanto, a prefeitura não soube informar quando a peça foi danificada.
Inaugurada em 2001, esta é a sétima vez que a estátua é danificada. A prefeitura do Rio informou que uma empresa foi contratada para fazer o conserto dos óculos sempre que houvesse algum dano.
Sempre soube. Arturo Pessoa vinha de Minas Gerais, é um aficcionado por Rodin e sempre admirou bastante a esperteza do tal divino espírito santo de colocar dois grande seres na Terra: Mahatma Gandhi e Carlos Drummond de Andrade. Desde que se apaixonou por Vitória, não largava o livrinho de poesias que possuía, gasto nas bordas e amarelo por vários motivos (entre um desses, um café amargo que derrubara em um verão antigo, sem amores). Possuia na arte da fala, o desejo delicioso pelas rimas e as suspirava todos os dias nas franjas de Vitória. Era bonito de ver aquilo. Ela rindo, olhos sem piscar, lambendo uma colher de sorvete e ele lá, olhos arregalados, interpretando Drummond como se fosse o próprio. E talvez até achasse que fosse.
Arrumou emprego em uma empresa do ramo de restauração de prédios antigos. Odiava o pó, mas amava a arte, as ervas e as uvas. Acabou que recebeu uma ordem de serviço bem diferenciada. A pobre da estátua do seu alter-ego estava sendo destruída por alguém da cidade. Não permitiu isso. Consultou a ordem de serviço e viu que tinham arrancado o polegar e um pedaço da orelha esquerda da estátua do Drummond. Foi no outro dia averiguar a destruição. Percebeu que a orelha aparentava ter sido mordida, mas não acreditou muito no que viu. Mas o que mais lhe incomodou eram os óculos do poeta. Ele sabia que Drummond nunca usaria óculos com aquele desenho e corte especial, tinha algo errado ali e ele tinha que analisar melhor. Passou a pesquisar na Biblioteca Municipal todo o acervo gráfico de fotos do poeta e conseguiu encontrar bastante material para poder refazer a estátua. Passou três dias inteiros trabalho na orelha e no polegar e mais cinco refazendo o óculos. Acabou repondo todas as peças na estátua, mas ele ainda percebia que algo estava errado. Passou meses tentando encontrar soluções e passou a ser o próprio cidadão que arrancava as partes do óculos para poder receber uma ordem de serviço e refazer da forma que achava apropriado. A loucura subiu em sua cabeça e uma coleção de partes de óculos e pedras se acumulavam em sua casa. E sua vida se tornava uma obsessiva busca pelo óculos verdadeiramente "Drummonístico".
Há de quem achasse que era realmente vandalismo, na verdade, todo mundo achava isso. Mas o Arturo sabia da verdade. Ele sabia também que nunca conseguiria o formato do óculos perfeito, pois ele lhe faltava a parte mais importante: o olho vivo por trás da lente.