Ela cantou, cantou e vibrou no ar
Flora Tenense
Sem querer dizer nada, Flora se fechou em quatro paredes, sua carta de amor e um radinho de pilha velho. Ela chorou por alguns minutos, se refez e passou a cantarolar uma musiquinha só com as vogais. Num vestido de margaridas meio velhas, ela limpava suas mãos molhadas e começou a reler a carta. Manchando todas as linhas de caneta bic com suas gotinhas, ela tentava encontrar uma razão pra tudo aquilo acontecer. Estava apaixonada e completamente assustada. Não entendia o que andava acontecendo e se podia continuar sentindo aquilo. Ligou o radinho que tocava um final de música brega e iniciava uma narração de uma longa história sobre um peixe dourado. Era domingo e mesmo o cachimbo sendo de ouro, Flora sabia que não havia pra onde ir, tinha que esperar por ele. Na carta, ele explicava que tinha um plano e que já estava resolvendo todos os detalhes. Ela preparou sua pequena mala vermelha que usou numa viagem pro interior e lacrou ela com fita durex. Nela, pôs duas calcinhas novas, par de meia, livro do Llosa, poeminhas pra viagem, uma fita k7 com coleções de romancinhos, um casaquinho e um par de sandálias franciscanas. Essas mesmas sandálias que seu amor lhe deu no aniversário do ano passado. Ela quer mostrar que ama, mostra com as sandálias. Coisas de ser humano.
Meia noite, ele veio no Chevrolet do seu pai. O barulho do motor era absurdo. Ela trancou a porta da casa e entregou a chave. Flora fugira com seu padastro para longe do peito da mãe, que nunca soube o que acontecera com os dois. Com um sonífero de tarja preta, deixaram-na sonhando com os jantares das noites de sábado e os romancinhos de sofá no começo do namoro.