Nas virtudes de um homem só
Visão
Nasci no ano do Big Brother, fantástico Orwell. Nunca tive problema algum de saúde durante toda minha vida. Nunca possui uma alergia. Nada me atinge. Nada. Apenas a luz. E o que mais existe nesse mundo além de luz?
Existia além de mim, apenas umas duas meninas naquela sala. Estava escuro e todos nós apertávamos os olhos como se refletores fossem postos na nossa frente. Um homem calvo me chama com seu dedinho indicador. Eu sempre quis usar jaleco. Acho lindo. E um dia sonhei em ser oftalmologista, mas num deu. O velho de jaleco invejável não me disse nada de novo e logo na saída percebi que, além das meninas, existia uma senhora de roupas sujas e bengala velha diante da porta. Ela também usava óculos, uns três óculos, no mínimo. Era estranho, mas prossegui.
Comecei a perceber que a mesma senhora se repetia em vários cenários, ora em um cachorro de óculos, ora em um poste alto da Avenida Central. Era muito estranho. Tudo é muito estranho. Um dia, o sol começou a se apagar diante dos meus olhos e toda dor parou. Aliás, num via nada diante de mim, só na minha cabeça. E um dedo me chamou pelo ombro:
- Menino.
- Oi?
- Sou eu.
- Quem?
- Seu destino.
- Meu o quê?
- Eu sou aquela senhora.
- Você? O que quer?
- Vim te guiar.
- Não preciso de guia.
- Precisa sim. Está diante de um buraco e não imagina o quão é fundo.
- Talvez eu precise mais do que um guia.
- Do que você precisa?
- Luz que não doa em meus olhos, imagens que não sejam estranhas e amor que não doa no peito.
- Desculpe. Você merece o buraco.
Tato
Em contraposto ao ato de observar, está o ato de tocar. Um ato extremamente delicado, suavo, lento e de extrema concentração. O toque, de tão sutil que possa ser, às vezes assusta. Existe o toque que machuca, o que consola, o que descobre, o que envolve, o que aponta, o que mistura, o que bagunça, o que afaga, o que amarga, o que transporta, o que falta e aquele me mata. Além de outros. Tem o toque que nada toca e o toque do tique-taque. Tantos toques. Mas o instante em que se passa do lançamento em vão das mãos ao seu primeiro contato com uma superfície é que se transforma em algo mágico. Naquele instante, todo um universo de objetos, texturas, formas, estados e reações são imaginadas. Ao alcançar seu alvo, os dedos passam a ser conectores de dois corpos. Passam a ser os olhos do corpo e da alma. Reconhecer algum objeto deve ser tão prazeroso quanto descubrir coisas novas. Afinal, estamos nessa descoberta o tempo todo.
1 Comments:
*curiosa pra saber como será o sexto sentido (?)
:)
*nop!! ninguém merece o buraco...
beijos
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