tobor e o amanhecer antecipado em seu dia.

vida simples, pensamento elevado.

segunda-feira, janeiro 9

Ah se não houvessem os amores, com sabores e odores diferentes.

O Paladar

Existia naquela época, uma mania de se fugir do trabalho e pular alguns muros. Conseguíamos chegar até uma pequena faixa de árvores próximas a saída da cidade. Eu e Júlia. Às vezes o Nalbert também ia. Mas ele era careta, tinha medo da vida. A gente corria por toda uma rua vazia, tava todo mundo trabalhando. Normalmente, com os bolsos cheios de bombons, cigarros e alguma ou outra coisa pra nos divertir. Chegávamos nas árvores, que chamávamos de Chinchila, e acendíamos os cigarros. Era engraçado. A gente sentava sempre do mesmo jeito, cruzando as perninhas. A Júlia tinha uma forma encantadora de fumar. Ela pousava o cigarro na boca e acariciava os lábios com a ponta dos dedos. Aquilo era muito excitante. Muito tentador. Até que um dia o Nalbert não foi. A Júlia descruzou as pernas e revelou a continuação das pernas. Eu fiquei tímido. Não agia. Ela virou pra mim e me ofereceu um bombom. Daí fechei meus olhos e esperei um movimento do vento. Fiquei ali sentado, de olhos fechados, desejando o bombom de Júlia e amando o silêncio que havia no lugar. Seus lábios começaram a se molhar diante dos meus olhos. Ela acendeu um cigarro, não dos caretas. Posicionou um bombom sobre a coxa e me chamou. O gosto inicial se misturava com a pele seca da perna de Júlia. A bala era de café. Adoro café. Adoro a perna de Júlia. Seu cheiro, seu gosto. Descobri nesse dia que café combina com muito mais coisa que chantilly e bulachas cream cracker. Mas mamãe não sabe disso. Né, Júlia?

O Olfato

Eu adorava roubar as presilhas das meninas na aula. Adorava sentir o cheiro dos cabelos delas que ficavam nas presilhas. Eu até colecionava as cores. E quando tava acabando o cheiro eu devolvia, pedindo desculpas com carinha de anjo. E roubava de novo! Era uma delícia. Cheirava presilhas o dia inteiro. Até que conheci a Joana. Ela não usava presilhas e tinha o cabelo mais cheiroso da sala. Miserável. Me deixava doido. Eu sempre andava um passo atrás delas, fungando o ar que ficava durante alguns segundos. Todos deviam me achar um louco, mas a Joana adorava. Ela se sentia querida e também fazia seus charmes. Um dia, fiquei doente e não pude ir à escola. Em casa, chorando de saudade, recebi uma carta fechada que possuia escrito na frente, em palavras garrafais: "da Joana". Meu sorriso foi ligeiro. Abri a carta e encontrei duas mechas de cabelo, ainda úmidas, com o cheiro mais gostoso de todo o mundo. Melhorei na hora. Fui pro colégio no outro dia com a certeza de que estaria de novo amor, com a certeza da minha felicidade conquistada. Mas a Joana saiu da escola, foi morar no sul e levou seus cabelos junto com ela. Preciso continuar?

2 Comments:

At 11:20 PM, Blogger solsorana said...

adorei(o) o olfato.
queimo(ei) com o paladar!
mas sinto queda pelo tato!
:)

textos de salivar...
belos!

beijos belo

 
At 11:42 PM, Blogger Ariadne Costa said...

Mas é muito doce esse garoto... Isso vai ser uma série? Cinco (seis?) sentidos? É uma idéia linda e os textos são muito delicados.
Saudade de bater papo, eu aqui no turbilhão dessa vida de gente grande (não quero brincar mais!) não tem sobrado tempo pras cyberconversas.
Cuide-se, viu?
Beijo

 

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