Entendendo os buracos
- Vi o Plácido hoje andando apressado no centro.
- Foi?
- Humrum.
- E?
- Ele tropessou e caiu.
- Sério?
- Não. Mas se eu não colocasse algo interessante nessa história, essa afirmação seria apenas uma demonstração do meu ciúme pelo Plácido.
- Sua tia num jogou no número 18?
- Foi.
- E saiu o quê?
- 13.
- E se a gente apagar as pontinhas pra abrir o oito e virar um três?
- O pessoal da lotérica num é tão burro quanto você.
- Ahm?
- Ai o menino veio correndo. Ai ele olhou pra mim. Ai puxou a arma e olhou pra mim. Ai puxou a arma e apontou pra mim a arma. Ai ele me olhou com os olhos mais cálidos e ternos que possam existir nesse mundo, foi paixão, foi amor, fui conquistada pela raiz. Daqueles olhinhos lindos saiu uma lágrima e do meu peito um rastro de sangue. Fui.
- Tava vendo o jornal hoje. Você sabia que você tem cura?
- Tu quer curar o quê, Geraldo?
- Essa cara de merda de você tem!
- Tudo bem, Geraldo.
- Escutei no rádio que agora tão aceitando doação de órgãos de pessoas vivas.
- O que você quer dizer com isso, Geraldo?
- Tá na hora de você doar seus olhos, sua boca e esses peitos caídos pra alguma vaca!
- Tudo bem, Geraldo.
- Puta que pariu!!! Queria que tu morresse, velha chata!
- Não antes de você, Geraldo. O doutor disse que só mais dois dias e você tá fora. Tudo bem, Geraldo? Geraldo?
- Você tá esperando o via São Fernandez?
- Não. Vou pra Ireré.
- Ireré? Mas Ireré fica em outra cidade!
- É. Eu sei.
- Você vai viajar mais de trezentos quilomêtros.
- Humrum.
- O que você faz em Ireré?
- Dirijo o ônibus de volta pra cá.
- Não acorda agora. Espera.
- ...
- Tá sentindo minha mão?
- (movimento positivo com a cabeça)
- Ótimo. Onde estou segurando?
- Nos meus seios.
- Ótimo. Sente a minha liberdade.
- Pernas.
- ...
- Joelho.
- ...
- Bunda.
- ...
- Cabeça e Bunda?
- Gustavinho!!! Eu num mandei você ir dormir??? Volte já pra sua cama! Deixe eu e sua mãe em paz, menino!
- ...
- ...
- Amanhã a gente tenta.
- Amanhã tou com dor de cabeça.
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