Uma metáfora de hemisférios
Depois de dois meses, Jonas percebeu sua diferenca. Desde que saiu dos frios invernos e chuvosos veroes de La Cidina, no Peru, ele se encontrou num outro hemisferio que lhe trazia uma porcao de novas ideias e talvez ateh uma outra vida. Viajou quase quatorze horas de aviao, mais cinco em um onibus dos anos 50 que lhe lembrava uma foto num calendario antigo. Chegou em Florengon mais ou menos ao meio dia, na altura da avenida principal, entre o hospital e um velho posto desativado dos correios. Era um lugar diferente, com pessoas estranhas e tudo lhe soava de certo modo assustador. Era a primeira vez longe de casa, a primeira vez longe do que sempre defendeu como o fim da vida. Toda sua esperanca era Florengon e a tal praca dos Parcos, que ele viu numa revista. Era tudo que sabia dali. Alem de uma ou duas palavras da lingua local.
Depois de dois meses, sua diferenca percebeu Jonas, e lhe acenou com a mao esquerda. Jonas fumava um cigarro forte que cowboys do norte lhe exibiam em outdoores pomposos. Ele nao a reconheceu. Acenou de volta mas com um sorriso de "simpatico nas horas livres". Ela chegou mais perto e lhe suspirou nos ouvidos: "nao tenha medo, sua vida nao tem direcao". Jonas riu nervoso.
Outro dia estava na praca dos Parcos, tinha acabado de conseguir um trabalho de lavador de pratos num restaurante belga, sorriso na cara, fumo nos labios, piscando muito os olhos por causa do vento. O cigarro demorou dois minutos. Comecou a pensar no que lhe disse a diferenca. Olhou tudo em volta e percebeu que tanto nunca tinha parado numa praca pra simplesmente estar lah, quanto nunca tinha fumado um cigarro antes de Florengon. Nesse instante, encarou a piola e a jogou alguns metros adiante. Olhava com rancor pra ela. Olhou em volta, viu meia duzia de estranhos que nunca falaram com ele e nem iam falar, alguns passaros que nunca viu, seis bancos completamente vazios e uma placa dizendo: "Rua sem saida". Como num jogo do destino, se viu numa armadilha da morte (pelo menos idealizou-a como), pensou em o que poderia ter feito errado, tentou calcular o que lhe sobrava de dinheiro, ficou pensando demais, agindo de menos, e acabou caindo desacordado no chao.
Acordou numa cama verde com alguns doendes horrorosos ao lado. De susto, caiu da cama e se levantou espantado com a estranheza do lugar. Era um quarto de menina, com uma porcao de coisas esotericas, langerie pela janela e uma foto de uma senhorita com um modesto gringo de bigode. Uma menina entrou no quarto. Nao a reconheceu, estava mais magra. Ela segurava um prato de sopa e uns paozinhos amanteigados. Lhe alimentou sem dizer uma palavra, soh um sorriso. Era tudo. Jonas caiu em amor. Dora era seu nome.
Nove meses de um entrelacar monstruoso entre os dois. Pela solidao, Jonas associou Dora a sua divina felicidade. Lembrou com risos do evento na praca dos Parcos. Vivia intensamente sua vida ordinaria de limpador de pratos e passatempo de lacos amorosos com Dorinha (desculpe a intimidade). Nao se lembrou de sorrir pra si mesmo de tao ocupado que estava com a felicidade dos outros. Era a grama mais verde da vizinhanca.
Assim como nunca fumou antes, Jonas nunca se perdeu no campo amargo dos solitarios. Talvez pela sua essencia de vida simples ou pela super concentracao num mundo que era codificado aos outros, mas super pratico pra ele. Mas agora devia tentar sobreviver a isso. Afinal, o que nao mata, lhe torna mais forte. E tenha certeza, Jonas nao morreu.
Ao cruzar a linha central da Terra, cuidado! Escreva seus pensamentos, sonhos, virtudes, desejos e nao esqueca de dizer o que voce vai ser quando crescer. Pois a sensacao eh que a gente num cresce nunca, o mundo eh que diminui.
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