tobor e o amanhecer antecipado em seu dia.

vida simples, pensamento elevado.

sexta-feira, fevereiro 27

Até onde os corpos caem? Por quem os sinos dobram?

E lá vai ela correndo. O sonho dela sempre foi esse. Correr por aqueles campos de Monet. As veias daquela tela sintilavam em seus olhos. Para ela, era inacreditável estar naquele lugar. O sol, as margaridas, a casinha de madeira, o galo Totonho e todas aquelas galinhas assanhadas. E ela, com sua cesta cheia de vontades, corria com um sorriso na cara de quem não precisava de mais nada na vida. Toda aquela liberdade era apenas fachada de mais liberdade ainda. Ela era feliz duas vezes. E duas vezes ela caiu sorrindo.

Sua mãe já sofria de osteoporose há dois anos. Isso era incrível para uma senhora tão delicada como ela. Vivendo na cidade, ele não podia fazer nada para ajudá-la. Seu trabalho lhe ocupava quase que o dia todo e na madrugada cuidava de uma criança que resolveu adotar sem planejar nada. A criança era seu pai, que teve um ataque de loucura há seis anos e quatro desses passou em um hospício. Depois de o pai quase pesar quarenta quilos, resolveu tirá-lo daquele lugar e cuidar dele. O velho louco só tinha uma vantagem: era notívago. Odiava a luz do dia, por isso, ficava o dia todo deitado na cama, dormindo ou fingindo estar. A noite se levantava e passava a madrugada fazendo o que faria de dia. O trabalhador da casa agora tinha dois fardos na vida. Ele era infeliz duas vezes. E duas vezes ele caiu chorando.

Sua bengalinha não era mais confiável. Ela mordia as laterais dos dedos midinhos. Seus óculos agora serviam mais de decoração do que ajuda. Realmente. A vida tava acabando e ninguém poderia parar o mundo. Ele comprou um cachorro treinado. Sabia que a cegueira era esperada. O nome do canídeo era Prometeus. Dois anos se passaram e ele viveu sempre na mesma sala escura, com paredes inalcansáveis e pessoas inimagináveis. Sua vida mudou. Prometeus morreu de fome. Foi despejado de sua casa. Comprou um modelito de mendigo. Adotou um carrinho de supermercado velho. Mudou seu nome. Virou lenda urbana. Matou um gato pra comer. Comeu pra não morrer. Morreu de não comer. Ele era infeliz mil vezes. E mil vezes ele caiu sem poder se levantar. Porque tem gente que nasce pra isso.

"Pague sua taxa e siga em frente, meu caro amigo." - Disse Deus.